Punho de Ferro | A primeira temporada
Finalmente chegou o momento de conhecer o último dos Defensores, aquele que dará o passo inicial para a história que deve unir os principais heróis de rua da Marvel. Toda a pressão que Punho de Ferro carrega por ser a ligação entre as origens dos Defensores e a do próprio grupo deve ter sido difícil de levar. Entre ter que funcionar como uma obra única, manter o nível de qualidade das anteriores e ainda ser o último degrau para algo tão aguardado pelos fãs, o que ficou claro é que toda a equipe realmente tentou entregar algo grandioso. Uma pena que não tenha dado tão certo.
Punho de Ferro é um bom exemplo do que acontece quando se tenta fazer coisas demais em muito pouco tempo: o roteiro não fica bom como deveria. Durante os primeiros episódios a série parece um pouco perdida, a falta de uma linha central e de informações faz com que muito do que acontece pareça sem sentido ou muito repentino. Tudo acontece muito rápido e por vezes fica difícil de entender a ordem e a progressão de alguns eventos. Eventualmente (aproximadamente no quarto episódio) isso se resolve, mas aí o problema muda: a série não consegue entregar surpresas relevantes e tudo fica parecendo um pouco previsível.
E quando o roteiro tem problemas sempre tem algum fator da série que sai perdendo mais do que os outros, e aqui o mais prejudicado foi o personagem principal. Danny Rand é a pior coisa da série, e isso é bem problemático levando em conta o fato de que ele é o personagem principal. Tentaram criar nele um personagem complexo, uma mistura de monge Zen com um garoto que tem problemas para controlar sua raiva, mas isso foi executado de modo terrível. Rand não orbita entre calma e raiva, ele é lançado de um lado para o outro como uma bola em uma quadra de tênis. Ou ele está meditando e conversando calmamente com alguém, ou gritando, derrubando paredes e segurando a cabeça fora de controle.
Esse problema se reflete em muito de como a história é contada, e um bom exemplo disso foi a maneira como ele, Colleen e Claire decidiram ir atrás da Madame Gao. Em uma cena ele decide ir até a China atrás de respostas, duas cenas depois ele já está lá e já encontrou a base de operações dela e conseguiu informações de como entrar. No episódio seguinte eles já estão de volta a Nova York, com a Gao amarrada em uma cadeira. Não só os eventos foram corridos demais, como as motivações para tudo isso foram extremamente vagas. O próprio personagem principal disse que não tinha plano, que essa não era uma boa ideia e que ele não sabia o que ia fazer.
Aliás, não saber bem o que fazer foi algo recorrente com Danny. Suas conversas com o psiquiatra no começo da série forçam o público a se perguntar como que alguém aparentemente tão desprovido de inteligência possa ter vencido todos os oponentes para se tornar o Punho de Ferro. Ele teve diálogos ruins depois disso, mas esses momentos foram muito marcantes de uma maneira muito negativa. E fica bem difícil se interessar (e torcer) por um personagem principal tão problemático.
Mas a vantagem é que existe uma diferença bem grande entre um roteiro que simplesmente é ruim e um que não ficou bom por ter tentado ser ótimo: o segundo sempre traz pontos positivos bem marcantes. E no caso de Punho de Ferro os pontos positivos são vários.
O maior de todos são os personagens que estão ao redor de Danny, com o grande destaque sendo Colleen Wing. Parecendo muito mais uma protagonista do que uma personagem de apoio, Colleen foi a maior estrela da série e sempre que estava em cena tinha destaque positivo (curiosamente Misty Knight, sua parceira nos quadrinhos, também tinha um pouco disso em Luke Cage), chegando até a brilhar mais do que deveria. Tudo nela deu certo: a alteração na sua origem para fazer com que sua inserção na série e nesse universo fosse mais interessante e, principalmente, a atuação incrível de Jessica Henwick (especialmente nas cenas de ação), que conseguiu tornar a personagem ainda melhor do que a sua versão dos quadrinhos.
E o caso dela não foi algo inesperado, ela não teve mais destaque do que o público esperava por acaso. Os roteiristas souberam usar o potencial da Colleen desde o início, o que fica bem óbvio quando vemos que as melhores e mais marcantes cenas de luta foram todas dela. As lutas na gaiola tiveram uma intensidade enorme, lembrando muito do que vimos em Demolidor, com uma coreografia muito bem planejada e executada. Isso sem contar a cereja no bolo que foi a roupa branca que ela usou, fazendo referência direta à roupa que sua personagem dos quadrinhos usa.
Mas provavelmente o momento que ficou mais claro que seu sucesso foi intencional foi a luta com Bakuto. A parte da lâmina na perna dele foi sim um pouco forçada, mas o que marcou aqui foi o começo: dois lutadores muito capazes reconheceram não só que o combate era dela por direito, mas também que ela tinha condições de vencer, e abriram caminho para que Colleen derrotasse seu sensei. Toda essa cena foi muito bem construída, e tanto a personagem quanto a atriz realmente merecem o centro do palco para elas.
A família Meachum também foi um ponto forte bem marcante da série. Ward e Joy começaram a série parecendo estereótipos desgastados, arquétipos de personagens vistos centenas de vezes, mas em muito pouco tempo eles mudaram muito: Ward teve uma progressão incrível, enquanto que Joy se revelou muito mais complexa do que se previa após suas primeiras aparições. Ela, por vezes, caiu no papel de vítima e foi manipulada, mas felizmente não se limitou a isso e mostrou não só a sua capacidade de negociar como também sua inteligência para resolver situações problemáticas. Já Ward saiu da caixa de “cara ambicioso e babaca” e se revelou como o mais complexo dos personagens da série. Entre suas interações com o pai, sua forma de agir com sua irmã e seu problema com drogas, Ward acabou se tornando um dos personagens mais interessantes. Ele é definitivamente é o típico cara que você ama odiar.
Harold foi um ponto destoante na família. Ele é o vilão mais “comum” e menos memorável entre todas as séries da Netflix até aqui. Sua luta com Danny no último episódio pareceu mais um anticlímax do que de fato o confronto final em um programa de super-heróis. Entretanto, essa pode ter sido uma boa opção no que se refere ao quadro geral. A série precisava de alguém como vilão principal para se manter como obra que funciona sozinha, mas por ter que cumprir a função de começar a amarrar as histórias dos Defensores, o roteiro também precisava desenvolver o Tentáculo, que será o vilão da equipe. Olhando tudo como uma grande obra única, a escolha do final foi acertada, mesmo levando em conta o fato de que a série do Punho de Ferro saiu um pouco prejudicada.
E esse saldo só pode ser positivo porque não só eles desenvolveram a história do Tentáculo, mas também o fizeram muito bem. Foi uma boa ideia tirar essa organização das sombras e mostrar que ela existe mesmo nos locais menos esperados. O alcance do Tentáculo agora parece ainda maior e a ligação entre a história da organização e a de K’un-Lun traz ainda mais possibilidades para enredos a serem contados nas próximas séries. Madame Gao perdeu um pouco de sua imponência, a aura de intocável que ela tinha antes deixou de existir, mas esse sacrifício é válido levando em conta as portas que foram abertas para enredos futuros.
As cenas de luta parecem ser um tópico meio controverso quando se trata de Punho de Ferro, mas no geral praticamente todas as cenas de combate foram bem satisfatórias. O estilo de luta do personagem principal faz com que o combate pareça mais com uma dança do que com uma luta pela vida, o Punho de Ferro não luta como o Demolidor porque eles possuem estilos muito diferentes. O próprio Danny explica isso, “o que importa no golpe é a força interior”. Golpes rápidos, acrobáticos e nos pontos certos são a especialidade de Danny Rand, e isso foi muito bem representado.
É verdade que ver que esse estilo de combate não é muito capaz de aliviar a sede de violência que parte do público possui, mas de forma alguma isso é ruim. Faltou um grande combate que grudasse o espectador na frente da televisão de olhos arregalados? Sim, mas as lutas do personagem principal foram bem divertidas de acompanhar para quem aprecia esse estilo. E para quem quer ver sangue e agressividade é só prestar atenção nas lutas da Colleen, ela cumpre muito bem esse papel.
Punho de Ferro foi a série mais fraca da parceria Marvel/Netflix até aqui, mas de forma alguma isso significa que foi ruim. Pelo contrário, a série não só apresenta alguns ótimos personagens, mas também desenvolve bem histórias necessárias para o resto dessa parte do universo Marvel. O resultado final é uma boa adaptação dos quadrinhos que até funciona quando observada sozinha, mas que brilha mesmo quando vista de longe, como parte de algo maior.