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Crítica | Laerte-se

“- E tu acha que um corpo pode ficar completo?”
“- Não… O desenho também não. A gente está sempre em processo de mudança.”

O corpo ideal, ele existe? A última fala de Laerte-se traz à tona essa questão nas 1h40 do documentário baseado na vida da cartunista Laerte Coutinho. O pano de fundo de toda a história é a reforma na casa de Laerte, que minunciosamente é sobreposta com a vontade da cartunista de fazer uma cirurgia de implantação de silicone nos seios. Além de questionar sobre o corpo ideal para ser uma mulher, outras questões surgem no decorrer do filme, como o que é preciso para ser mulher: se é ter um útero ou se é ter filhos, por exemplo.

O documentário também mostra o lado mais real da cartunista, que tem medo de ser descoberta como uma “fraude” por se abrir demais a qualquer coisa que faça, seja em sua vida ou na sua casa. Em contraponto a isso, ela aparece nua, tomando banho e depilando as pernas em seu eu mais vulnerável, nos fazendo ser parte daquele momento tão íntimo e nos conectando com ela por ser tão normal como qualquer outra pessoa. Laerte também explica como o falecimento precoce de seu filho influenciou em sua vida para que se identificasse como uma mulher transsexual e todos os desdobramentos que vieram a seguir, como a reação dos seus pais, filhos e neto.

Conforme Laerte vai contando a história de como se descobriu uma pessoa trans, o questionamento da sua sexualidade na adolescência e sobre o seu corpo, suas tirinhas aparecem na tela enchendo lacunas de tudo aquilo que ela fala. Logo no começo do documentário, as tirinhas são mais presentes e até um pouco excessivas, pois a cada frase dita uma tirinha é mostrada. Isso se torna um pouco cansativo e até previsível, sem gerar o impacto necessário no público. Porém, olhando por outro ângulo, esse recurso tem um lado positivo. As tirinhas acabam por ser extremamente importantes para quem assiste e que não tem muito conhecimento quando o assunto é “pessoas trans”.

A falta de localidade e tempo durante o documentário é algo que incomoda também, pois não dá ao expectador uma noção de onde e quando se encontra esse momento da vida da cartunista, algo que, neste tipo de material, é essencial para nos situar. Além disso, também não há uma apresentação das pessoas que aparecem durante os momentos da vida de Laerte. Quem não conhece sua história pode ficar um pouco perdido.

No mais, Laerte-se é um ótimo documentário sobre uma pessoa trans. E mesmo apresentando apenas uma parte básica sobre o que são essas pessoas e como elas fogem ao estilo tradicional de homem e mulher cisgênero, assunto este que ainda é novo para muitos, o filme faz com que entendamos um pouco mais sobre a questão e nos permite abrir a mente sobre um mundo que não é só preto e branco, ele também é colorido.