Fora de Cena | De Olhos Bem Fechados
Quando pensamos em Stanley Kubrick e seus filmes, podíamos sempre esperar por obras primas. Ele com certeza é ainda hoje um dos diretores mais conceituados e idolatrado por seus fãs. No entanto, De Olhos Bem Fechados, seu último filme de 1999, dividiu opiniões e foi um fracasso de bilheteria, chegando a ser considerado o filme mais fraco de Kubrick.
Dessa forma, o comentário mais importante a ser feito sobre as informações acima é: não, meus queridos, o filme não é ruim. Particularmente para mim, que conheci o livro antes do filme, é impossível julgá-lo negativamente. Só que estamos falando de Kubrick e realmente, levando em consideração sua produção anterior e acrescentando o fato de que esse filme demorou três anos para ficar pronto, os fãs com certeza estavam esperando bem mais. Dentre as muitas expectativas frustradas, tenho certeza que a maior delas foi a falta de mais cenas de amor tórrido entre o então casal na vida real Tom Cruise e Nicole Kidman.
Para entender não só o enredo, mas também a temática e a atmosfera do filme, vale citar o livro no qual foi totalmente baseado. Breve Romance de Sonho – Traumnovelle, no original -, escrito em 1926 pelo romancista austríaco Arthur Schnitzler, descreve momentos de alucinação consciente de um jovem médico em busca de vingança emocional em Viena no início do século XX. Também é interessante mencionar que um contemporâneo de Schnitzler foi Sigmund Freud e o trabalho dos dois tinha muito em comum. Isso quer dizer que essa história não trata meramente de relações interpessoais, mas sim do inconsciente de cada indivíduo e dos desejos mais profundos e obscuros, que por mais que se tente evitar, virão à tona em algum momento.
Falando um pouco agora do enredo do filme propriamente dito, somos apresentados ao jovem casal novaiorquino Bill e Alice. Já aí posso citar duas diferenças em relação ao livro: o nome das personagens, que no original se chama Fridolin e Albertine, e o lugar onde se passa a história, que passou da decadente capital austríaca para a moderna Nova York. Fico grata pela primeira mudança, pois Fridolin é um nome que não consigo levar muito a sério. Compreendo a segunda mudança, muito porque ela não influenciou na essência do filme e no drama das personagens. Afinal, o ser humano é previsível e seus desejos permanecem os mesmos em seu âmago ao longo dos séculos: poder e prazer.
Após uma revelação inesperada por parte de Alice e um inesperado reencontro com um amigo, Bill inicia uma caminhada aparentemente sem rumo pela cidade. Todos os elementos do filme, as máscaras, os nomes de alguns personagens e a pouca iluminação, trazem um tom sombrio e ébrio que dialoga perfeitamente com essa ideia de sonho e de estar, de fato, de olhos bem fechados. Aos poucos Bill vai se perdendo em devaneios, sem mais perceber o que é real e o que não é. Em um certo momento chega a encontrar o que procura, mas não possui a menor consciência de que há um preço a se pagar.
Kubrick realmente se dedicou à produção desse filme, pois desde a década de 1960, quando leu pela primeira vez o romance de Schnitzler, já havia despertado em si o interesse de desenvolver um filme que tratasse das relações sexuais. Só que muito mais do que relações carnais, ele conseguiu trazer para a tela imagens e cenas que representaram muito bem os desejos do inconsciente, elementos bem mais sombrios e de difícil captura. Por todos esses motivos, é muito difícil para mim classificar esse filme como ruim, pelo contrário, é um dos meus favoritos.
Talvez por ironia do destino, cinco dias depois de apresentar o corte final do filme para a Warner, Kubrick veio a falecer de uma maneira que dialoga perfeitamente com seu último e contraditório filme: dormindo.