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Crítica | Em Ritmo de Fuga

A filmografia de Edgar Wright é um dos grandes exemplares do cinema contemporâneo no quesito originalidade. Sempre mandando as convenções de gênero para as cucuias, o diretor costuma estabelecer sua assinatura visual sem histrionismos vazios, o que positivamente nos remete de forma instantânea a nomes como o de Quentin Tarantino e Sam Raimi. Assim, nesse espetacular Em Ritmo de Fuga, Wright abandona os tópicos máximos da ficção, que foram utilizados na cultuada trilogia Cornetto, para criar uma curiosa experiência musical utilizando a trama clássica de filmes de assalto como MacGuffin.

Nela somos apresentados ao motorista de fuga Baby (Ansel Elgort) e ao seu chefe Doc (Kevin Spacey) como os dois integrantes fixos de uma quadrilha de assaltantes que age de forma infalível pelas ruas de Atlanta. Trabalhando para Doc com o intuito de pagar uma dívida antiga, Baby não se sente confortável no universo criminoso do qual faz parte e planeja se afastar da quadrilha o mais rápido possível, garantindo assim uma vida mais tranquila para o seu pai adotivo Joseph (CJ Jones). No entanto, ao se apaixonar pela garçonete Debora (Lily James), o motorista entrega a arma que faltava para Doc segurar sua estadia no grupo para uma última grande cartada com os bandidos Buddy (Jon Hamm), Bats (Jamie Foxx) e Darling (Eiza González).

Sem querer inventar a roda com uma trama mirabolante e cheia de reviravoltas, o roteiro de Wright embarca num twist imaginativo que movimenta todo o resto da projeção: e se Baby, na verdade, fosse um jovem gênio atrás dos volantes dos carros de fugas, capaz de cronometrar todas as ações dos parceiros a partir dos runtimes das músicas que tocam nos iPods que ele nunca tira dos ouvidos? Bem, pois é a partir dessa virada que o diretor transforma o filme de ação num musical às avessas que explode em cores e adrenalina a cada novo track de Baby.

A prova do quão confortável Wright se sente ao criar universos está na forma orgânica com a qual ele estabelece o mundo do jovem. Na sequência que dá continuidade à sensacional cena de abertura do longa, Wright dirige um plano sem cortes visivelmente inspirado na clássica cena de Gene Kelly em Cantando na Chuva. Assistimos, então, Baby caminhar pelas ruas de Atlanta para pegar alguns cafés, enquanto ele segue absolutamente todos os breaks de “Harlem Shuffle” do Bob & Earl num verdadeiro balé urbano que representa todo o seu espírito. O desenho de produção de Marcus Rowland, um dos fiéis escudeiros do diretor, também merece todos os créditos possíveis pela sagacidade de dar personalidade aos ambientes do filme como se todos eles compusessem uma fantasia única do protagonista.

E por protagonista eu devo confessar que nunca imaginei Ansel Elgort roubando a cena de um filme que tem nomes como o de Kevin Spacey, Jon Hamm e Jamie Foxx no elenco. Mas se é para brincar de quebrar convenções, vamos lá pôr mais uma delas abaixo. Elgort é a alma de Em Ritmo de Fuga e transforma o seu Baby num protagonista multidimensional capaz de estabelecer emoções ambíguas apenas com leves mudanças no olhar. Por exemplo, quando ele menciona sua mãe pela primeira vez para Debora ou nas conversas calorosas que tem com seu pai Joseph. Logo, todos os coadjuvantes do longa acabam trabalhando em prol de Baby e do seu mundo peculiar sem nunca ofuscarem o seu papel.

Conhecido por embarcar em produções onde ele realmente possa fazer a sua mágica – leia-se ser o dono do seu próprio filme –, Edgar Wright infelizmente, como os próprios Tarantino e Raimi, costuma demorar um pouco para retornar às telonas. Se em determinado momento do longa Baby diz que “tudo o que precisamos é de uma trilha de matar“, aqui eu parafraseio o jovem Mozart de fuga com um “tudo o que precisamos é de mais filmes pipocas como este… e de mais Edgar Wright nos cinemas, por favor”.

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