Crítica | Malasartes e o Duelo com a Morte
Malasartes e o Duelo com a Morte é uma comédia sobre as aventuras de Pedro Malasartes (Jesuíta Barbosa), personagem tradicional do folclore ibero-americano que vive de pequenas trapaças. Gaiato fanfarrão, Malasartes terá que enfrentar dois grandes inimigos: Próspero (Milhem Cortaz), que fará de tudo para impedir que sua irmã Áurea (Isis Valverde) namore um sujeitinho preguiçoso, sem coragem e imprestável como Malasartes; e a própria Morte (Júlio Andrade) encarnada, que quer tirar férias depois de dois mil anos ceifando vidas e pretende enganar Malasartes para que ele assuma o tedioso cargo em seu lugar.
Não bastasse o plano da Morte e a vontade de Próspero de esganar Malasartes, o nosso herói ainda vai ter que lidar com a bruxa Parca Cortadeira (Vera Holtz) e o assistente da Morte, Esculápio (Leandro Hassum), que querem para si o posto que a Morte pretende vagar. Agora, com personagens deste e do outro mundo se unindo contra ele, Malasartes terá que usar de toda a sua esperteza para sair ileso dessa confusão. Ao longo da história suas artimanhas tornam-se cada vez mais elaboradas e cresce também sua vontade de tornar-se um homem livre do trabalho que Próspero o obriga a fazer para pagar dívidas que seu falecido pai deixou, livre para amar, mas, principalmente, livre para escolher seu próprio destino.
O personagem Pedro Malasartes, representante da malandragem e, consequentemente, do “jeitinho brasileiro”, se assemelha muito a uma mistura de João Grilo, por sua esperteza, e Chicó, por seu lado sedutor. Todos os três representam a simplicidade de um homem sertanejo que, mesmo com poucos recursos, é capaz de superar as adversidades. Essa é a principal característica que deve ser relacionada aos demais brasileiros na vida real, a de ser persistente e não desistir apesar da sorte não estar a seu favor. Afinal, é sabido que apenas neste tipo de ficção exagerada é possível fazer tudo que Malasartes faz e, de certo modo, sair ileso. Jesuíta Barbosa interpreta bem o papel, embora as referências anteriores de outros jecas e grilos tornem difícil afirmar que ele conseguiu superá-las. Conseguiu entregar um personagem conhecido, mas não acrescentou nada a ele que nos marcasse.
Um diferencial do filme, que pode ser sua ruína ou sua salvação, é a grande quantidade de efeitos especiais que estão fortemente presentes no cenário do “outro lado”, onde a Morte mantém as velas das vidas das pessoas, e também no meio de transporte da Morte e de seu ajudante, que voam. É visível o esforço para deixar os efeitos mais naturais possíveis, e nisso obtiveram sucesso. Mesmo assim é provável que muita gente estranhe o visual do filme, que realmente apresenta cenários bem distintos do que estamos acostumados a ver em um longa brasileiro. A proposta de chegar ao outro lado através do rio é interessante, uma vez que faz referência ao rio Aqueronte, o qual era usado para travessia de almas na mitologia grega. Além disso, o filme também incorpora outro elemento da mitologia, as bruxas parcas, responsáveis por tear e cortar os fios da vida dos humanos. A inovação é louvável, mas talvez tenham pecado no excesso de informações.
A primeira vez que Malasartes apareceu no cinema foi em 1960, em um filme dirigido e estrelado por Amácio Mazzaropi. Várias outras homenagens a este personagem foram feitas ao longo dos anos, tanto no teatro quanto na música. Este novo filme é mais uma delas que, de forma divertida e inovadora, deixa de alguma forma à sua marca. Resta saber se esta marca será a de um filme que não soube balancear tecnologias e tradições ou, pelo contrário, soube agradar o público. E a pergunta que não quer calar: será que o mais esperto dos homens vai enganar a morte ou será a morte que vai enganar o mais esperto dos homens?