Mr. Mercedes | Uma chance real para Stephen King renascer na TV
Quem é fã de Stephen King sabe muito bem que raramente uma adaptação das obras literárias do escritor consegue fazer jus ao material original. Seja no cinema, seja na TV, ainda são poucos os títulos que conseguiram captar a essência da escrita de King. Eu arriscaria dizer que na telona somente Frank Darabont (O Nevoeiro, À Espera de um Milagre), Brian De Palma (Carrie – A Estranha) e Rob Reiner (Conta Comigo) chegaram perto de tal feito e, mesmo assim, alguns fãs mais xiitas ainda encontram problemas nos clássicos citados acima. Quando o assunto é televisão, o buraco é ainda mais embaixo, já que a liberdade dada aos showrunners pelo próprio King acaba descaracterizando as adaptações e bombas como Under the Dome, Bag of Bones e The Mist tornam-se quase um indício de que TV e Stephen King não foram feitos para caminharem juntos.
Sempre que anunciam que algo do autor está indo para televisão, eu corro para ver quem está envolvido para ter a certeza de que passarei longe, e com Mr. Mercedes não foi diferente. Mesmo não tendo lido a Trilogia Bill Hodges (vou ficar devendo essa para o próximo ano), acompanhei as reviews que colocavam os livros nas listas de melhores trabalhos de King, logo a curiosidade pela inevitável adaptação começou a crescer. Quando o Audience Network anunciou que a trilogia seria transformada em série e que David E. Kelley seria o showrunner, o meu faro para coisa boa automaticamente disparou. Estando na fase de reinvenção, depois de fazer história nos anos 1990 com The Practice e Ally McBeal, Kelley retomou o posto de midas este ano ao emplacar as premiadas Goliath e Big Little Lies.
Mr. Mercedes não possui a mais original das tramas, mas se somarmos o texto ágil de Kelley e a direção sempre inspirada do também veterano Jack Bender (Lost) ao elenco com nomes como Brendan Gleeson, Holland Taylor e Mary-Louise Parker, a série já se encontra anos luz a frente dos últimos títulos televisivos que tentaram adaptar Stephen King.
A história começa numa noite fria de 2009, quando várias pessoas esperam a abertura de uma feira de empregos numa imensa fila no parque. No fim da madrugada, quando muitos já estão dormindo, um estranho com máscara de palhaço aparece dirigindo um Mercedes e vai para cima das pessoas, atropelando dezenas delas. O resultado do atentado são 16 mortos, vários feridos e uma marca de horror deixada para sempre na cidadezinha de Ohio. Dois anos depois, descobrimos que o detetive Bill Hodges (Gleeson), que era o encarregado pelo caso, se aposentou sem solucionar o crime. No entanto, o passado volta a aterrorizar Bill quando ele recebe uma mensagem assustadora do Assassino do Mercedes, antecipando um novo encontro.
O que mais gostei do piloto de Mr. Mercedes é que o roteiro não teve absolutamente nenhuma pressa de entregar viradas, optando pelo menos de início por apresentar o dia a dia dos dois protagonistas da série com curiosos paralelos. Sendo assim, ao passo que a vida solitária do detetive Bill Hodges era detalhada com a brilhante escolha de “A Well Respected Man“, do The Kinks, como trilha de fundo, o psicopata Brady Hartsfield (Harry Treadaway, de Penny Dreadful, prometendo muito) já entra em cena ao som de “Pet Sematary“, do Ramones. Nesse meio tempo conhecemos também as figuras que fazem parte da vida de Bill e Brady e, sendo sincero, poucas vezes vi coadjuvantes com tanto potencial serem apresentados assim.
Para o bem, temos os simpáticos Jerome (Jharrel Jerome, de Moonlight: Sob a Luz do Luar) e Ida (Taylor) como os vizinhos de Bill. E, para o mal, conhecemos Deborah (Kelly Lynch), a mãe de Barry, que divide com ele uma relação bizarra e nos remete de forma instantânea a uns certos Bates. O antigo parceiro de Bill e a loja onde Barry trabalha aparecem no piloto, mas são Jerome, Ida e Deborah que acabam deixando a impressão mais forte.
Encerrando a primeira hora com o que promete ser um jogo de gato e rato macabro e empolgante de se acompanhar, Mr. Mercedes pode ser a chance que os fãs de Stephen King esperavam para pôr um fim de uma vez na lista de séries ruins com o selo de inspiração no autor. Uma possível pérola que encerra a summer season americana mais fraca da história da TV, ou seja, vocês podem dar uma chance.
P.S.: Adorei o cuidado da série com a direção de arte. A loja de departamentos onde o Barry trabalha estava com o “Teenage Dream“, da Katy Perry, nas ofertas de 2011.