Corpo Elétrico | Entrevistamos o ator Kelner Macêdo e o diretor Marcelo Caetano
Corpo Elétrico estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas e nós conversamos com o ator Kelner Macêdo, protagonista do longa, e o diretor Marcelo Caetano. Os dois nos receberam para falar sobre relações não tradicionais, as ruas de São Paulo, Linn da Quebrada e outras questões abordadas no filme. Confira:
Leandro Alvarenga: Quando você teve o primeiro contato com o roteiro, o que mais te chamou a atenção em Elias?
Kelner Macêdo: Quando li, eu já achei tudo muito excitante, sabe? Essa figura que o Elias representa, esse clima catalisador, suas relações múltiplas que se estabelecem e esses encontros tão bonitos e transformadores que ele tem. Eu sempre imaginei ele como o mar, que vem, vai, deságua em algum lugar e a cada encontro o curso dele é transformado de alguma forma. Uma coisa que foi crescendo à medida que a gente rodava e ensaiava.
LA: Como você define essa mistura de sentimentos de Elias? Seria uma coisa impossível de se definir?
KM: Eu acho que o Elias dá vazão aos desejos. Ele vai em busca disso, independente de onde isso vai dar ou em que isso vai se transformar. E eu acho ele muito corajoso nesse sentido, de dar ouvido aos desejos, ao que ele sente e ao que ele quer. Os limites entre afeto, tesão e desejo estão muito borrados, ele quer é encontrar e se relacionar com essas pessoas.
LA: Você possui familiaridade com alguma das realidades em que Elias está inserido ou criou ele do zero?
KM: Não. Existiu mais uma aproximação do que uma criação. No início do processo, Marcelo sentou na mesa comigo e disse: Kelner, o que existe de diferente entre você e o Elias? E a partir daí a gente começou a investigar e entender essas diferenças para poder acabar com elas. Para não existir mais limites entre Kelner e Elias. Então foi muito esse processo de poder abrir esse horizonte e acabar com essas diferenças.
Leandro Alvarenga: Qual é a sua relação com toda essa cena paulista que aparece no filme?
Marcelo Caetano: Estar em São Paulo implica muitas vezes em estar nesses fluxos todos, né? Eu venho de uma família de operários de Minas, mas existe um interesse muito grande por essa cena de São Paulo.
Eu sou uma figura da rua, meus amigos gostam de circular por elas e eu acredito que uma forma de existir em São Paulo é dançar entre elas, buscando esses corpos que não são representados. Para mim, é gostoso encontrar com esses novos corpos e promover esses encontros improváveis entre héteros e gays.
Eu não gosto muito dessa lógica da cidade de se deslocar de A para B, eu vivo um labirinto, um zig zag, e todas essas coisas me colocam na rua. Tanto que muitos dos lugares em que filmo e estão fora do centro, geralmente têm uma relação afetiva muito forte. Por exemplo, a Brasilândia, onde minha grande amiga Marcia Pantera mora e eu vivo na casa dela.
LA: Aquela sequência em que estão todos no carro, com duas motos em volta, me lembrou muito uma avenida da Brasilândia.
MC: Sim, foi mesmo! Foi gravada na Inajar de Souza.
LA: O trailer do filme chegou a mim através da minha bolha gay, mas depois esbarrei com ele em outros lugares. Você acha que ele tem poder o suficiente para quebrar essa bolha?
MC: Sim! Não acho que Corpo Elétrico seja um filme gay clássico. Acho que ele tem personagens gays e mostra como a comunidade se solidariza e se apoia, mas acho que tem uma outra solidariedade que transcende aos gays, que é a desses outros grupos marginais que vão se unindo. É obvio que eu quero que chegue em um público amplo, mas eu não renego a força também do público gay.
A proposta do filme é muito essa. Não vou discutir se a sociedade me aceita ou não, esse é um problema dos heterossexuais. Então, como que eu falo de problemas que são nossos? Aí vou e falo de liberdade amorosa, falo de solidão, de trabalho, do massacre que o trabalho produz no corpo, de como quebrar o automatismo das relações, como não hierarquizar o sexo e etc. Por isso, acho que tem um rompimento com os filmes tradicionais LGBTQ, que é: eu não estou falando de aceitação, não estou falando de tolerância e nem de autoaceitação. Eu estou julgando esses gays no mundo e como eles reagem ao mundo e o mundo a eles.
LA: Você já conhecia o trabalho da Linn da Quebrada antes dela se envolver na produção do longa?
MC: Eu conheci a Linn da Quebrada como Linn Santos, performer em uma festa no centro de São Paulo. De cara, falei para ela: “Cara, vai lá em casa para gente se conhecer, tenho um projeto muito bonito chamado Corpo Elétrico e quero você nele”. Isso foi quase dois anos antes de filmar.
Quando eu estava mais próximo de filmar, a chamei e criei essa família das drags. Foi um momento que ela estava começando a gravar as primeiras músicas, não existia ainda a Linn da Quebrada. Um dia ela chegou nos ensaios e cantou algumas músicas para nós, entre elas “Talento“, e morremos de rir. Naquele momento não havia uma certeza se aquilo era sério ou não. Se ia dar certo ou não. E eu falei assim: “Linn, vamos fazer uma cena a partir dessa música”. Foi o momento em que o Elias (Kelner Macêdo) começa a perceber que o desejo dele está transcendendo, está olhando para as femininas de outra forma. Logo, essa música caiu como uma luva!
LA: Que legal isso! A carreira dela cresceu junto com o filme.
MC: É, e isso é muito legal porque é uma turma que eu queria muito trabalhar. Na época, ela morava com a Liniker e com a Thais, que também é atriz do filme, e ela é de um grupo de atores da Escola de Teatro de Santo André, de onde vem a Liniker. Foi uma proximidade muito bonita que eu tive com a Linn e Thais.
LA: Fico muito feliz de ver o espaço que elas estão tendo e o sucesso que estão fazendo!
MC: É uma guerra boa, e a gente tá ganhando!