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Crítica | Gaga: Five Foot Two

Uma mulher vestindo uma roupa cintilante e saltos altos alça voo puxada por cabos no que parece ser o backstage de um imenso estágio. A subida é metafórica, mas só entenderemos o que ela realmente significa nos minutos finais do ótimo Gaga: Five Foot Two. Buscando desconstruir a persona criada por Stefani Germanotta, o diretor Chris Moukarbel acerta ao pintar um retrato intimista e feroz da instituição Lady Gaga, porém fica devendo mais Stefani. Um erro que só não põe o documentário a perder porque adiciona mais camadas ao maior ícone pop da última década.

Observar processos criativos sendo dissecados é algo fascinante e, junto de Gaga, Moukarbel escolhe acompanhar a criação do “Joanne“, último álbum da cantora, enquanto a mesma encara o fim do noivado, uma segunda entrada como atriz em American Horror Story e as consequências do diagnóstico de fibromialgia. Todas essas fases ganham um tempo especial de tela, com Gaga usando sua verborragia hipnótica para nos conduzir pelo universo que criou com tanta precisão. A artista retorna ao conceito de que historicamente estrelas do rock não podem ser mulheres e que a indústria sempre vai cobrar sensualidade das que alcançarem esse patamar.

A reviravolta aqui é que Gaga desconstrói essa sensualidade ao transformar a cobrança machista em algo que ela possa manipular com o toque de estranheza que alçou o seu nome ao estrelato. É se abrindo como uma jovem mulher feminista que a cantora dá um soco na cara das convenções ao se dizer sem paciência para “bobagens de macho”, enquanto cobra um beijo alegórico de um dos seus maiores ídolos e nêmeses, Madonna.

Indo além da figura estranha que ela construiu ao longo de dez anos, chega o “Joanne” e, talvez, o passo mais ousado da carreira de Gaga. Com o novo álbum, quem retorna é a sensação de solidão que a persegue há anos. Moukarbel consegue retratar os sentimentos conflitantes da cantora e encaramos a relação dela com a família, com sua equipe e com o produtor Mark Ronson sem nunca esquecer que ela ainda é assombrada por medos comuns, e pela a ansiedade patológica que no passado quase a destruiu. A sequência do photoshoot na piscina de sombras traz a literalidade desses sentimentos com uma câmera arrepiante do documentarista.

Emocionando justamente nos poucos momentos onde conseguimos ver um pouco de Stefani – a passagem onde Gaga toca a faixa-título do álbum para a avó é capaz de derreter até o mais duro dos corações –, Gaga: Five Foot Two ainda não desvenda a mitologia por detrás da mulher que construiu um personagem tão fantástico e hipnótico numa época onde tudo no mundo pop era pasteurizado e sem cor. No entanto, ao trazer luz para a dualidade das suas maiores conquistas e receios, o documentário vem como um alento para nossa curiosidade. Criador e criatura nunca foram tão simbióticos como Gaga e Stefani. Uma artista para eras, meus caros.

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