Nerd de Pijama | Pudim, nunca mais!
Aos cinco anos de idade eu já assistia desenhos de super-heróis sem entender bem o motivo pelo qual queria ser salva pelo Batman ou bater tão forte quanto As Meninas Superpoderosas. Eu tinha cinco anos quando os adultos ao meu redor simplesmente não sabiam lidar com a raiva e a fúria que me domava toda vez que alguém me xingava. Conta-se que, por séculos, crianças assim como eu cresceram e continuam a crescer. Sem saber. Eu ainda lembro de que nenhum Thundercat era suficiente para me salvar – seja lá do que fosse. Uns anos depois, joguei o Game Boy Color no chão com raiva de ter perdido uma batalha no Pokémon. O Pikachu não deveria perder as minhas batalhas, ele tinha que continuar porque simplesmente eu continuava.
É chegado o ano de 2014, eu tenho 20 anos dos quais no mínimo cinco foram preservados do mundo nerd. Aos nove, eu já amava o cinema e tentava entender o que era fotografia e direção de arte. Aos 11, eu corria pelo colégio com revistas explicando o motivo pelo qual Piratas do Caribe era um filme bacana… A adolescência chega e tudo que você não quer é ser um pirralho chato, quer aprender a entender o mundo e… Sangra tentando passar por coisas que ninguém vai querer te explicar, como bullying, gravidez, abuso e política. Este último até tentam te convencer a seguir o partido da família, ressaltando mais uma vez valores nos quais você foi criado – mas neste momento não tem condições alguma de opinar sobre o mundo porque a globalização ainda não aconteceu de fato e a sua internet ainda é discada.
A pior fase para um nerd são estas: a infância e a adolescência. Motivos: bullying. Meu motivo: não entender o mundo. Claramente era fácil rir quando o Tobey Maguire saiu dançando pela rua em Homem-Aranha 3, o difícil deveria ser apenas entregar todos os Harry Potter na segunda-feira na locadora de vídeo (e algumas vezes, também, conseguir todos na sexta-feira anterior). O mundo dos sonhos é fascinante, mas você não entende por que o Coringa bate tanto na Harley. Por que a solidão do Bruce Wayne é tão familiar? Porque é mais fácil passar o dia detonando a sua saúde dentro de um quarto de maneira tão sórdida do que falar bom dia para seus pais.
Você, nerd, chega à vida adulta como qualquer pessoa: preocupado com os boletos para pagar e com o futuro. Mas toda pessoa que já sofreu abuso na vida tem o seu “Ponto de Ignição”. Lembram quando o Coringa do Heath Ledger fala que o Batman não pode morrer por ser seu propósito na vida? Este ponto chega cedo ou tarde e, quando chega, nem todos estão preparados para lidar. É 2018, um ano após a Women’s March nos Estados Unidos (que acabou de sair de uma greve geral respeitosa esta semana).
Estamos diante de um Oscar, vimos mulheres empoderadas lutando por causas feministas e… seu Ponto de Ignição reaparece. Você começa a ver filmes e a lembrar de todo o abuso no sorriso de Margot Robbie (sim, a Harley Quinn e a Tonya), e quer que tudo pare para você respirar. Isso não acontece. Você cresceu, superou uns traumas bem fortes na vida e hoje tem que trabalhar e dar o seu melhor para sustentar um filho que cresceu com pais separados igualmente a você.
Aquela raiva acumulada nos games de luta para dar um super combo é ativada dentro de você desde sempre. O motivo? Simples e complicado. Como você vira para sua família abusiva e diz que a culpa são deles? Como dizer para os médicos que seus pais não te ouvem quando são eles mesmos que te fazem apanhar do namorado calada e ainda achar que o mundo é assim e está tudo certo com isso, pois a ficção é uma ilusão e não tem nada e nem ninguém que vai te salvar dos vilões da vida real. É quando ouvimos o discurso de rainha Viola Davis dizendo que nós somos as mulheres sem face. Sim, eu sei que somos quando o segurança do shopping que frequento manda a guria mais nova para casa depois de ser abusada no corredor da loja por estar de short. E tudo que ela quer é reportar isso na delegacia.
“Isso não vai dar em nada, você sabe…“. Até quando?
Quantas vezes o grito vai se tornar loucura ao ver alheio? Sim, Mr. Trump, raivosas sempre! Raiva do estuprador que caminha livremente pela rua planejando a próxima vítima. Raiva dos que se deixam cegar por imbecilidades como as suas. Incompreensão de, assim como a ficção, a ilusão pode ser tão melhor que a realidade. Quantos Batmans, Super-Homens e Mulheres-Maravilhas o mundo precisa para chegar aos pés de um quadrinho “bobo”? Por que a tecnologia não nos leva à claridade como Platão sugeriu? Seria ser Ícaro demais voar tão perto do sol? É sonhar com os megacomputadores das Indústrias Stark que nos emburrece ou deixar o assaltante matar a nossa avó enquanto ela vai à padaria?
Vivi no mínimo dez anos nerds suficientes para saber que não é melhor a Harley com a Ivy ou com o Coringa. Que nem todos os pais são amorosos como os Kent e muito menos nem todos os vilões estão em outras galáxias e usam máscaras. A Força habita em todos nós. A luz, as trevas e as nossas escolhas nos determinam… Mas como escolher a luz quando tudo o que se conhece são trevas? Como sermos os Harry de nossas próprias histórias se a ignorância é tudo o que enfrentamos? Como dizer para não gritarem com uma criança de três anos de idade que chora, mas sim conversar com ela sobre o ocorrido?
Mudar a mentalidade das pessoas é uma escolha também. Porém, me pergunto quantas amigas ainda vão entrar em namoros abusivos com pessoas vãs e psicologicamente tóxicas. Quantas vezes eu vou chorar com filmes que mostrem histórias como a minha, como a da minha amiga e como a da minha prima. Histórias que merecem ser contadas, mas histórias que eu preferia que não existissem. Não por colocar um herói na vida de cada mulher e homem que já sofreu abuso, mas sim por fazer pessoas se tornarem fortes suficiente para não terem um sobrinho estuprado pelo policial ou amigas que não se preocupam em ter que andar juntas ao sair do barzinho por conta de olhares destrutivos.
Uma das coisas mais difíceis de acreditar no momento é que existe esperança para a humanidade. Nos falta uma Princesa Leia, um último suspiro de esperança no universo no qual os poucos rebeldes são caçados, mortos e apedrejados. Taxados de “mulheres raivosas”, “baitolas amedrontados”… Nos falta uma Sociedade do Anel disposta, e espero que não nos falte uma Armada de Dumbledore também disposta a realizar o que os adultos querem ignorar: as violências infantis, psicológicas e físicas a todos que são do bem e que só querem muitas vezes respirar sem tremer, andar sem medo e saber que possuem em casa alguém em quem confiar.
Uma das melhores coisas que se pode ter é o seu filho(a) da Casa de El ao lado, não para proteger sempre – às vezes, nós temos mais superpoderes que eles –, mas sim para descansar depois de uma longa semana de estresses e raivas, gritos e mandados de prisão. Calma na alma e compreensão nos levam à certeza da luz, de que no final deste filme cheio de vilões e cenas cruéis você deve só deitar a cabeça e receber amor. Existe um ditado entre os religiosos de que o amor tudo cura. Bem, se Lily não amasse o Harry, ele não seria o menino que sobreviveu… E ele sobreviveu toda a escuridão que lhe foi dada até a morte. Potter não teve Vingador certo, ele se tornou. E assim espero, aos 25 anos, que vocês, nerds, se transformem nos heróis de suas próprias guerras infinitas. Beijos de luz!