Fora de Cena | O Grande Dragão Branco
Em 1988, o belga especialista em artes marciais Jean-Claude Van Damme saiu do anonimato para estrelar sua primeira grande produção cinematográfica, O Grande Dragão Branco, dirigido por Newt Arnold. Nos anos seguintes, entrou no hall dos maiores brucutus do cinema, formando no imaginário popular dos anos 1980 e 1990 uma espécie de “trio dos marombeiros” junto com Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Este seu primeiro grande sucesso foi aquele que seria seu filme mais lembrado e mais reprisado na TV brasileira.
O filme conta a história de Frank Dux (Van Damme), um militar que decide deixar o exército para lutar em Hong Kong num torneio de artes marciais clandestino chamado Kumite. Lutadores de várias partes do mundo participam da competição, que não tem regras, podendo levar à morte, como um MMA mais hardcore. Logo nos primeiros minutos nos deparamos com uma série de clichês: lutadores são mostrados da maneira mais caricata possível e até racista, que hoje despertariam discussões acaloradas nas redes sociais. O africano tem “estilo” de luta imitando macaco, o brasileiro no meio da floresta, etc. Tudo acompanhado pela trilha sonora exagerada, e ao mesmo tempo cativante, tipicamente oitentista de Paul Hertzog.
Paralelo a isso, dois agentes do serviço secreto (vividos por Norman Burton e um jovem e iniciante Forest Whitaker) dos EUA vão atrás de Frank, já que o governo “investiu” em suas capacidades e não permitiria que se machucasse, muito menos morresse. Sua decisão de arriscar a vida nesse torneio foi tomada com o objetivo de honrar seu shidoshi, Senzo Tanaka (Roy Chiao), que encontra-se doente e que só poderia ensinar a um descendente de sangue, mas rompeu a tradição para lecionar um ocidental, no caso esse americano de péssimo sotaque. Logo que Frank chega na China faz amizade com Ray Jackson (Donald Gibb), que também irá lutar no torneio. Ray é um gigante de bom coração que adora uma luta livre e os dois se conhecem numa cena hilária na qual Frank consegue vencer Ray num game de fliperama. Além disso, o protagonista se envolverá com a intrépida repórter Janice Kent (Leah Ayres), capaz de quase tudo para conseguir o grande furo sobre o Kumite.
Na verdade, a trama do filme é somente uma desculpa esfarrapada para vermos Frank Dux descendo a porrada em todo mundo no torneio. As cenas de luta foram muito bem coreografadas pelo próprio Frank Dux da vida real e as atuações são dignas de um filme de ação dos anos oitenta, contando até com o já citado Forest Whitaker fazendo um pequeno papel perdido ali no meio. Treinando e lutando, Van Damme mostra todo o seu talento ou a falta dele: do espacate, movimento ginástico no qual abre as pernas formando 180 graus, aos chutes giratórios, até a cena em que Dux fica sem enxergar, um clássico da má atuação. Haverá momentos de hesitação e quase derrota à lá Rocky e tem a trapaça (herança de Karate Kid e outros) feita pelo oponente, aqui um coreano, Chong Li, interpretado por ninguém menos que o chinês Bolo Yeung. O vilão traz frases icônicas, chegando a repetir Bruce Lee, com quem trabalhou em Operação Dragão: “Tijolo não revida”. Outra célebre: “Você quebrou meu recorde. Agora vou quebrar você igual quebrei o seu amigo”.
Durante os letreiros finais somos informados de que a história é baseada na vida do verdadeiro Frank Dux. Soldado do exército americano, teria quebrado todos os principais recordes do Kumite. Ele serviu de consultor, treinou atores para o filme e, diz, é pioneiro ao desenvolver o Dux Ryu Boxe nos EUA. Acontece que jamais foi comprovada a existência do Kumite e há quem o ache um charlatão de marca maior.
Mesmo assim, O Grande Dragão Branco deixou o seu legado e foi influência e tanto para a cultura pop. Além de colocar os holofotes nos filmes de lutas, foi a grande referência para o game Mortal Kombat. Não à toa, o personagem Johnny Cage foi baseado em Van Damme, imitando seu famoso espacate e um golpe de um momento específico do longa. Mesmo que possua um roteiro fraco e atuações risíveis consegue ser um filme cativante, graças à qualidade das cenas de luta e quem sabe o carisma do vilão, já que Van Damme só tinha o rosto bonito mesmo. Por essas e outras que hoje, 30 anos depois, você ainda vai parar para assistir este clássico quando estiver passando (pela milionésima vez) na TV.