Crítica | As Aventuras do Pequeno Colombo
As Aventuras do Pequeno Colombo fez sua primeira exibição pública no Anima Mundi de 2015 e foi angariando prêmios em sua excursão por festivais, mas só agora encontrou espaço em circuito. Foi o último trabalho, como dublador, do grande ator José Wilker (1946-2014), conta ainda com a voz da atriz Isabelle Drummond e é dirigido pelo cineasta Rodrigo Gava.
Para tentar salvar sua família da falência, o jovem Cristóvão Colombo e seus amigos Leo da Vinci e Monalisa vão atrás da lendária ilha de Hi Brazil, que esconde tesouros cobiçados por todos os piratas. Eles só não esperavam ser impedidos pelo cruel povo das águas e sua terrível fera Nautilus. Agora, a batalha dos meninos deixa de ser pelo tesouro e passa a ser para voltarem vivos para casa. Esse é com certeza um resumo bem neutro que pode ser feito por qualquer um sobre o filme. Há, no entanto, alguns “poréns”.
Antes de qualquer coisa, é louvável o incentivo do diretor de, no Brasil, investir em um filme de animação, pois como bem sabemos ainda é um gênero pouquíssimo desenvolvido no país. Isso não quer dizer que devemos aplaudir qualquer coisa que ele jogue em seu enredo só porque não foi tão fácil produzir o filme, ou pelo fato de alguns atores famosos emprestarem suas vozes para as personagens. O que precisa ser levado em conta é que o público alvo desse filme (as crianças) está a cada dia mais inteligente. É importante ter responsabilidade em relação aos conteúdos que apresentamos a elas, uma vez que reproduzirão aquilo que será visto. Um filme, que aparentemente veio com o intuito de divertir, pode acabar passando a mensagem errada e, de certo modo, é isso que acaba acontecendo neste caso.
Para começo de conversa vamos tratar da escolha das personagens. Foi até interessante unir um grande navegador a um grande inventor – Cristóvão Colombo e Leonardo da Vinci. A falha aconteceu em relação ao elemento feminino. A companheira dos dois amigos é Lisa (Monalisa) e, diferentemente de seus dois amigos meninos, ela é constantemente cortada das brincadeiras e aventuras por não serem adequadas para meninas. Como se a exclusão não fosse o suficiente, o único trunfo da menina para burlar esses impedimentos e conseguir o que quer é conquistar a todos com seu sorriso encantador. Realmente um ótimo exemplo para todas as meninas “você não poderá fazer metade das coisas que os meninos fazem, mas se for bonita eu mudo de ideia”.
Ainda tocando neste assunto da discriminação temos Zumba, o único personagem negro introduzido na história como escravo do vilão e ladrão. É possível alegar que há respaldo histórico para tal construção de personagem, mas com tantas alterações e “licenças poéticas” é interessante perguntar por que esse modelo foi mantido. Além disso, Zumba é tão importante quanto os outros três – mais até que Lisa – e não é destacado como o trio.
O personagem dublado pro José Wilker é o famoso Conde de Saint Germain, figura mais polêmica na Europa do século XVIII. Ele vem no filme acompanhado dos cavaleiros templários – um elemento que por alguma razão acrescenta um tom místico ao enredo – e juntos eles formam um grupo de imortais que irão auxiliar as crianças contra o povo das águas. Há muitas misturas nesse filme, de mitos, personagens históricos, etc. Fica confuso e até chato para adultos, uma vez que temos mais conhecimento sobre certos aspectos que as crianças. Mesmo assim, para elas essa questão não é algo com que se preocupar.
O último ponto a ser criticado, na verdade, é um fato histórico que as crianças aprendem na escola e que o filme ajuda a perpetuar: Cristóvão Colombo vai descobrir novas terras. Que trabalho honrado e que grande homem ele foi. Se apenas fosse verdade. Até quando continuaremos a reproduzir mentiras para nossas crianças, disfarçadas em desenhos animados ou em livros de história?