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Crítica | Feito na América

É um verdadeiro desafio acreditar que a história deste filme possa ser baseada em fatos reais. Na verdade, este título expressa de forma precisa até que ponto chega a ambição do ser humano, mostrando de modo desmedido o poder da ganância de um homem que muda de ideais conforme o período propício. Fica até mesmo difícil acreditar que algum dia alguém tenha sido capaz de trabalhar para a CIA, para o cartel de Pablo Escobar e, consequentemente, para a instituição de controle de drogas conhecida como DEA. Aqui, todos os envolvidos na narrativa estão em busca de algum objetivo, seja uma promoção no emprego, um relacionamento com o chefe melhorado, o acúmulo de uma grande fortuna, ou então a simples conquista de escapar e mudar uma tediosa rotina.

Na trama, Tom Cruise interpreta Barry Seal, um piloto de voos domésticos da companhia aérea TWA que se vê entediado e cansado de seguir uma monótona vida. No entanto, esse cenário maçante e repetitivo começa a mudar quando o homem é contatado por Monty Schafer (Domhnall Gleeson), um enigmático agente da CIA que oferece um promissor emprego capaz de radicalizar todo esse conservadorismo. Com isso, Barry encontra a oportunidade que queria e passa a servir o país trabalhando de modo informal para a maior agência secreta já vista, voando por toda a América Central com o intuito de reconhecer terreno ao fotografar a base dos inúmeros insurgentes comunistas.

Com o tempo, Barry obtém sucesso no novo emprego, despertando a atenção do cartel de drogas de Medelim liderado dentro da Colômbia pelo radical conhecido como Pablo Escobar. Assim, o piloto se vê forçado a trabalhar com o tráfico de drogas internacional, sendo induzido a transportar uma significativa quantidade de cocaína para dentro dos Estados Unidos. Todavia, uma prisão inesperada instiga a curiosidade de Schafer, que desvenda essa ligação do piloto no esquema de drogas, intimidando Seal para ele passar a exportar modernos rifles AK-47 para os “contras”, grupo de rebeldes anticomunista do Nicarágua.

Após esse desenrolar do enredo, Barry passa a se envolver em diversas situações perigosas, seguindo um caminho obscuro que o deixa muito, mas muito rico. Contudo, o preço cobrado é alto e afeta não só a ele, como também toda a família que aceita viver dentro desse castelo de vidro. Apesar de se passar entre os anos 1970 e 1980, a história ganha um ar de jovialidade ao ser contada em retrospectiva através de fitas VHS, algo que remete a uma espécie de daily vlog das redes sociais de hoje em dia. Embora contenha uma narrativa explícita, o roteiro é falho ao desencadear uma sucessão desenfreada de acontecimentos, dificultando a absorção dos eventos que levam este pacato piloto à prisão por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contrabando de armas em 1984.

Ao conferir o longa, não espere assistir algum clichê de ação, pois como diretor, Doug Liman deve ser reconhecido por tentar entregar uma história de vida, ao mesmo tempo que delineia de forma subjetiva o cenário político daquele período. Acostumado a dirigir filmes de ação como A Identidade Bourne e Sr. & Sra. Smith, Liman demonstra certo crescimento profissional, ainda que não saiba quando encerrar a narrativa, atitude que a classifica como cansativa e repetitiva. Desta forma, toda vez que chegamos em um clímax dentre os incidentes, ele vem e acrescenta fatos que não passam qualquer relevância no rumo do que foi descrito.

De óculos escuros e com um icônico sorriso, Tom Cruise chega para dar vida à história expondo todos os trejeitos já conhecidos. Apontado como o gringo que resolve tudo, ele dá uma pausa na imagem de super-herói Missão Impossível, desempenhando de bom modo o fanfarrão piloto Barry Seal com um jeito brincalhão e descontraído. Revelando ser a escolha certa para o papel, o ator reforça ser a estrela de uma geração, deixando sua marca registrada em cada filme.

Outra figura que merece destaque é o também ambicioso agente da CIA Monty Schafer, representado pelo ilustre Domhnall Gleeson. Conhecido por atuar em títulos como Ex_Machina: Instinto Artificial e O Regresso, o ator indica uma expressiva particularidade ao entregar um clima de suspense a cada momento que aparece em cena. Em vista disso, o restante do elenco passa despercebido, funcionando apenas como um contraste para a representação dos demais protagonistas.

Trazendo à tona a intrigante e peculiar história de vida de Barry Seal, Feito na América entrega um enredo despojado, dosando um pouco de humor dentro de uma biografia de qualidade com elementos que tornam o conto efetivo e gratificante para aqueles que assistem. Apesar de alguns deslizes, a trama não pode ser totalmente desmerecida, justamente por ser capaz de abordar algo cult enquanto transmite uma impressão contemporânea. O diretor Doug Liman consegue proporcionar um trabalho satisfatório, mas o público aproveitaria melhor essa experiência se as “amarras” do filme fossem mais elaboradas. Contudo, vale a pena conferir na telona qual desfecho teve esse piloto que tentou abraçar o mundo acreditando que sairia ileso.