Crítica | As Duas Irenes
A pré-adolescência é uma época de rupturas e descobertas. É quando largamos os brinquedos e a inocência da infância para começarmos o estágio da vida adulta. É nela que descobrimos a liberdade, novos hábitos, novas conversas. É nela também que descobrimos o primeiro amor e, caso não seja correspondido, de lambuja, descobrimos também o primeiro pé na bunda. Crescer é como sentir que tudo o que você achava que sabia quando era criança não é verdade. E, em alguns casos, não é mesmo.
É a partir dessa lógica que embarcamos na história do filme As Duas Irenes. Situada no interior do Brasil, o drama acompanha a vida de Irene (Priscila Bittencourt), que aos 13 anos descobre que seu pai tem uma segunda família e uma outra filha da mesma idade e mesmo nome que o dela. Além da incerteza sobre se deve ou não levar a verdade à tona, Irene precisa lidar com os principais dilemas da pré-adolescência em um contexto sereno e patriarcal.
As diferenças das duas Irenes são grandes, mas a trama desenvolve a relação delas de forma muito natural. Na verdade, os melhores momentos do filme são quando elas estão juntas. A Irene da família tradicional é a filha do meio, que divide a pouca atenção que tem com a irmã mais nova e Solange (Maju Souza), sua irmã mais velha que está prestes a completar 15 anos. Com poucos amigos e ainda na transição de criança para adulta, a situação faz com que Irene descubra uma amizade verdadeira com sua meia-irmã. E toda raiva que uma Irene poderia ter da outra é transformada em ternura, e isso é algo lindo de se assistir.
A Irene de Isabela Torres, por sua vez, é espevitada e vive uma realidade completamente diferente da irmã. Ao passo que a Irene principal é repreendida por usar roupas chamativas e decotadas, a Irene da família paralela não passa pelos mesmos questionamentos. Muito pelo contrário, aliás. Além da diferença socioeconômica, a segunda Irene está sempre usando roupas curtas e coloridas, nunca perdendo a chance de se envolver com os meninos da cidade.
No entanto, embora a relação das meninas seja genuína e as atuações sejam convincentes, dada à química inegável das atrizes em cena, muitas das discussões que poderiam ter sido abordadas no longa ficaram em segundo plano. E o filme deixa nítido que não pretende aprofundar os questionamentos sobre a segunda família de Tonico (Marco Ricca). Mas a linearidade da história e falta de complicações podem fazer com que o espectador se canse da expectativa pela revelação.
A subjetividade tenta ser o ponto forte do longa, provavelmente dado à falta de grandes recursos para finalizá-lo. Momentos que poderiam ter tido desenvolvimentos e reviravoltas interessantes para a narrativa acabam rápido, deixando suas conclusões destinadas à imaginação do público. Mas de certa forma a subjetividade faz parte da composição da Irene principal. O filme retrata a história a partir da perspectiva dela, que é muito quieta e raramente expõe o que pensa. Algo que, segundo a própria personagem em uma das cenas, ela puxou do pai.
Mesmo deixando a revelação do segredo de Tonico de lado durante boa parte do longa, as duas Irenes demonstram a aceitação do fato de forma sutil, até resolverem dar um basta na situação. E embora um tanto parado, assim como o lugar onde se passa a história, o filme de Fabio Meira tem uma fotografia simples e minuciosa que agrada. Infelizmente, ele peca na falta de ousadia e na abordagem intensa da pacata rotina das meninas, mesmo quando tinha a oportunidade de dar um passo além.
Os destaques das atuações, além de Priscila e Isabela, também vão para Teuda Bara, que entrega à Irene principal o aconchego que sua família não lhe dá com sua adorável Madalena. A relação de confiança entre as duas é explicitada, principalmente, no momento em que ao conhecer Neuza (Inês Peixoto), a menina se apresenta usando o nome da babá.
Neuza também é uma personagem forte para a trama. Ela cuida e zela pela família e pela filha de forma que Irene não está acostumada a presenciar em casa. Já Tonico, apesar de ter duas famílias, não é um pai ausente. Pelo contrário, ele se mostra até bastante afetuoso com as quatro filhas igualmente, ainda que esteja situado no contexto patriarcal.
O desfecho do longa é incrivelmente interessante, delicado e impactante ao mesmo tempo. Também é necessário dar o devido destaque ao roteiro, que não à toa recebeu diversas indicações em festivais nacionais e internacionais. Contudo, a premissa bem elaborada e a fotografia precisa de Daniela Cajías não conseguem mascarar o ritmo lento e os pontos mal-aproveitados da narrativa, que, apesar de boa, poderia ter focado melhor em discussões mais relevantes para o espectador.