Crítica | Como Nossos Pais
Desde que o mundo é mundo, ser mulher não é uma tarefa fácil. E com o passar dos anos, as responsabilidades das mulheres na sociedade têm crescido cada vez mais. Cuidar da casa, dos filhos, não deixar o casamento cair na mesmice e, além de tudo, conseguir administrar com êxito sua vida profissional, e tudo isso sob o olhar julgador daqueles que estão ao seu redor. Todos os dias, ser mulher é provar a Deus e ao mundo de que você consegue dar conta de tudo. Mesmo que não dê.
É partir desta ideia que embarcamos na história de Rosa, que durante um um típico almoço de família se desentende com sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), e recebe uma revelação que mudará tudo o que ela acha que sabe sobre sua própria vida. Rosa, então, começa a ligar os pontos, tentando esclarecer a situação enquanto se esforça para manter tudo ao seu redor nos eixos, como seu casamento com Dado (Paulo Vilhena), um ativista ambiental que passa a maior parte do tempo ausente em retiros de estudos antropológicos do que em casa com a família, sobrecarregando a esposa com as responsabilidades que deveriam ser divididas pelos dois.
Mas há quem se engane por pensar que o ponto central da história é a busca de Rosa por respostas sobre seu passado. Na verdade, a narrativa acompanha a sua busca por respostas sobre o seu presente. É sobre a percepção de que ela não tem a obrigação de estar sempre ali. De que ela não é a única pilastra capaz de evitar que sua casa e sua família desmoronem. De que ela não precisa abrir mão de seus sonhos e ser a “supermulher” 24 horas por dia. A narrativa consegue caminhar com fluidez até um certo ponto, quando, intencionalmente, perde o ritmo, como forma de demonstrar que embora tente encontrar uma solução para seus problemas, Rosa está simplesmente vagando sem rumo.
Essa questão do caos na vida da protagonista também é explicitada através da fotografia. O maior exemplo disso é quando Rosa chega de viagem e as filhas começam uma guerra de travesseiros no meio da sala, e Dado parece simplesmente “sair” de seu papel de pai, ignorando tudo ao seu redor. Diga-se de passagem, Dado é um personagem tão apático e confortável que é quase impossível não se voltar contra ele em alguns momentos da trama.
Já Clarice representa boa parte das mães contemporâneas, inclusive, a própria Rosa. No início, a personagem passa a mensagem de ser uma mulher dura e fria, mas conforme a trama se desenvolve, essa máscara cai e Clarice revela um lado vulnerável, que escondia como forma de defesa. Essa transição de personalidade da personagem também é muito importante para que o espectador consiga captar um dos pontos-chave da história: a relação entre as mulheres e, principalmente, o conflito de gerações, neste caso, através da relação entre mãe e filha, uma vez que a personagem de Maria Ribeiro encontra-se nos dois lados da perspectiva.
Um outro ponto interessante a ser destacado é Homero (Jorge Mautner), que apesar de em determinados momentos parecer ter caído de paraquedas na trama, se torna um alívio cômico sutil e convenientemente pontual, dada a carga dramática do longa. De fato, ele não é um alívio cômico apenas para o espectador, mas, também, para a própria Rosa, que em meio a seus conflitos internos ainda vê o pai com o mesmo olhar de quando ainda era criança.
O cinema brasileiro vem cada vez mais se desvinculando dos clichês em suas produções, e Como Nossos Pais é um claro exemplo disso. Os deslizes no desenvolvimento de alguns arcos não desmerecem a entrega do elenco nas interpretações e a direção magnífica de Laís Bodanzky, que ainda assim consegue dar ao espectador uma história bem construída e atual, levantando uma reflexão necessária nos dias de hoje de maneira sutil e madura.