Animaction | Ethel & Ernest
A novela gráfica do desenhista inglês Raymond Briggs, um tributo a seus pais Ethel e Ernest, além do longo e feliz casamento dos dois, foi amorosamente transformada nesta animação característica que reproduz exatamente os detalhes e a simplicidade desenhados à mão pelo autor.
Ethel era empregada de uma senhora nobre, Ernest era leiteiro. O caminho dos dois se cruzavam literalmente todos os dias quando Ernest passava de bicicleta pela rua e via Ethel na janela. Aos poucos foram se conhecendo e se apaixonando, até que a jovem decide deixar o emprego para se casar com Ernest e, como de costume na época, se tornar uma dona de casa. Os dois se mudam para uma simples casa germinada, que vão mobiliando (e pagando) aos poucos, e têm o seu único filho, Raymond. Isso tudo aconteceu na década de 1930. Ao passo que a vida simples e pacata da família segue, a situação na Europa se complica com a guerra e vamos acompanhando a relação entre os dois.
Ethel, desde o princípio, mostra-se uma mulher conservadora, enquanto seu marido simpatizava com o novo Partido Trabalhista. Há muitos momentos no filme em que vemos apenas Ernest lendo alguma notícia no jornal e Ethel a contestando ou até negando, mesmo quando não tinha muita certeza do que se tratava. Exemplo do tipo de mentalidade que possui fica claro quando a notícia do jornal é sobre a legalização da homossexualidade. Ethel pergunta ao marido o que seria isso e ele, constrangido, tenta explicar, mas ela nem o escuta, pois ele “não sabe do que está falando”.
O relacionamento com o filho também muda, uma vez que o jovem decide fazer faculdade de Artes. O pensamento conservador da mãe a faz pensar que ele morrerá de fome. A situação melhora quando ele se torna professor, mas volta a piorar quando ele se casa com uma esquizofrênica que nunca poderá ter filhos. E Ethel estava mais preocupada com o fato de não poder ser avó do que com a doença da nora. Fica claro então o tipo de pessoa difícil e arcaica que ela era, mas mesmo assim de bom coração.
O filme retrata a vida pacata desse casal e nada de incrível realmente acontece. É um retrato da classe trabalhadora branca, que vai se adaptando à vidinha confortável que leva à medida que os fatos históricos vão acontecendo. Essa narrativa não trata de pessoas excepcionais, mas de um casal real. A coragem de Raymond para expor fatos pessoais tanto seus próprios, quanto de seus pais, é louvável, já que em certo momento do filme não nos sentimos muito confortáveis com Ethel. A verdade é que ela foi uma pessoa com qualidades e defeitos, não um personagem fictício, e mais, ela sempre foi fiel aos seus princípios e nunca mudou seu jeito de ser. É preciso respeitá-la, ainda que não concordemos com a maneira como pensava. Afinal, mesmo sendo do jeito que era, teve um casamento longo e feliz, e claramente estava realizada com sua vida.
Em relação a Raymond, autor e personagem dessa história, é interessante mencionar que em nenhum momento nos são revelados os seus sentimentos. Há alguns momentos trágicos em sua vida que ele nos relata da mesma maneira sintética com que relata outros eventos menos importantes ao longo do filme, como se ocultasse seu sofrimento propositalmente. Isso fica claro na conversa com Ethel, quando revela que sua mulher tem esquizofrenia, mas depois não fala mais disso, e ao final do filme, quando a doença da mãe é revelada.
É possível achar que ele trata todos esses fatos com a famosa frieza britânica, mas também é possível ver por outro ponto de vista: o de que ele tenha resguardado esses sentimentos para si mesmo para, desta forma, nos permitir sentir por nós mesmos. Por isso nos emocionamos com o desfecho do filme e nos sentimos próximos principalmente à Ethel. Sentimos como se essa história fosse nossa.