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Crítica | Chocante

Pode não parecer, mas filmes nacionais são cada vez mais vendidos como sinônimo de comédia. Com uma gama de títulos cômicos, nosso cinema tem sido marcado pela forte presença desse gênero em cada longa assistido. Mas você já parou para pensar como é bom encontrar algo que entregue um pouco a mais que isso?

Apontado como uma comédia, Chocante chega para comprovar que nem sempre a regra se aplica à teoria. Mostrando um lado da fama pouco conhecido, a trama composta por Bruno Mazzeo (Téo), Marcus Majella (Clay), Lucio Mauro Filho (Tim), Bruno Garcia (Toni) e Tarcísio traz à tona a história de uma boy band fictícia que fez muito sucesso na época de 1990, mas que se dissolveu e caiu no esquecimento após uma intriga.

Agora, vinte anos depois, o grupo se reencontra em uma mesa de bar, onde tentam ocultar o quão descontentes estão com a realidade em que vivem. Téo, que filma casamentos e batizados, se diz cinegrafista; Clay, que anuncia promoções no microfone do mercado, fala que trabalha com marketing; Tim se tornou médico oftalmologista e trabalha de forma desmotivada no Detran; e Toni afirma ter uma frota de carros executivos, quando na verdade trabalha como motorista.

Infelizes e com profissões comuns, a banda do hit “Choque de Amor embarca em uma missão cujo objetivo é fazer um novo show de despedida, algo que para qualquer pessoa pareceria algo inconcebível. A partir disso, eles vão ao encontro do antigo empresário Lessa (Tony Ramos) e são instruídos a retomar os ensaios com o novo integrante Rod (Pedro Neschling), um jovem ex-participante de reality show e personalidade da mídia.

O roteiro, apesar de parecer superficial, surpreende ao ultrapassar essa camada da comédia com dramas de pessoas reais, ato que evidencia certo cuidado com o desenvolvimento da narrativa. Fica claro que alguns personagens estão ali somente para suprir essa necessidade de fazer rir, enquanto outros se aprofundam e demonstram a fragilidade da relação de um pai divorciado que não consegue se identificar com a filha e de irmãos desafetos separados por mágoas antigas. Olhando mais intimamente, fica nítido o quanto eles são sozinhos, a vida deles em si é um drama estampado na face de cada um ali que procura se alimentar de uma longínqua glória do passado.

A direção de Johnny Araujo e Gustavo Bonafé mostra a importância de um bom trabalho em equipe. Logo no início do filme somos levados ao ápice do sucesso da banda e, então, guiados de forma sútil para flashbacks que revelam o motivo dessa parceria ter chegado ao fim. Os diretores conseguem transmitir com os ensaios a amizade presente no conjunto, enquanto mostram a necessidade de um ressentimento preso que precisa ser dito.

Falar sobre o elenco torna-se difícil, já que aqui temos a presença de cinco protagonistas. Com uma trama repleta de grandes personalidades, fica notório o potencial de cada ator presente na equipe. Marcus Majella é um mestre da comédia, rouba a simpatia do público facilmente com as caras e bocas que faz na frente do espelho treinando as mentiras que devem ser ditas. Bruno Garcia cumpre bem o papel de fanfarrão, paquerador, na proporção que enfatiza o exagero dos serviços oferecidos dentro dos carros Uber. Lucio Mauro Filho é a imagem da indiferença preso dentro de um casamento infeliz, com um filho que o despreza e comprometido com uma profissão que detesta. Já Bruno Mazzeo aparece bem ao representar um pai comprometido que não consegue se atentar aos pequenos detalhes que formam a rotina da filha.

Apesar da aparição simples, Pedro Neschling cumpre com o prometido ao retratar de forma fútil uma geração que busca a aprovação de desconhecidos em redes sociais, optando por gravar e vender uma vida perfeita, enquanto é deixado de lado no próprio meio em que vive. Além de ser outro nome forte da comédia, Débora Lamm representa bem esse deslumbramento de fãs com seus ídolos ao expor a intensidade do amor que sente por um grupo musical desconstruído. Tony Ramos aparece por aqui como nunca antes visto, o consagrado ator é o típico empresário fim de carreira banal e extrovertido.

Ainda que pareça raso, Chocante entrega um bom filme para aqueles que conseguem olhar além do que é oferecido. As roupas marcantes, os exuberantes penteados e as cômicas danças realçam algo bem construído, mas que, se aprofundado, poderia ter sido melhor conduzido. Explorando uma exceção, aqui os clichês fazem total sentido e levam o público mais velho a embarcar numa sensação de nostalgia, além de carregar os mais jovens para um mundo conhecido, porém visto de outra perspectiva. Cômico e dramático, o título ousa e critica de forma sútil essa indústria de subcelebridades que desejam, acima de tudo, viver sob os holofotes da fama.

Elenco de “Chocante” se reúne em São Paulo para falar sobre o filme