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Fora de Cena | Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento

Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento é um daqueles filmes estadunidenses que focam na postura heroica de uma pessoa que decide enfrentar o “mundo” para conseguir validar a sua causa. Esteticamente normativo, sem nada de tão extraordinário que não tenhamos visto antes em outros bons filmes, a cinebiografia da mulher comum que transformou a sua vida e a de outras pessoas após conseguir desmascarar um esquema corporativo que destruiu a vida de vários habitantes de uma cidade na Califórnia é cativante e inspiradora.

Julia Roberts é Erin Brockovich, uma mulher obstinada que se encontra desempregada e preocupada com o futuro de sua família. Divorciada duas vezes, tem três filhos e, após envolver-se num acidente de carro, percebe o quanto precisa de dinheiro para se manter, haja vista os menores que dependem de seu trabalho para prover alimentação, saúde e educação. Depois do tal acidente, ela contrata Ed Masry (Albert Finney) para defendê-la no tribunal. O problema é que o promotor mexe com algumas questões que irritam a moça de temperamento explosivo, fazendo-a perder a causa. Entre idas e vindas, ela tenta contato com o advogado para reajustar o caso, mas, sem sucesso, decide ir direto ao escritório. Lá, após uma discussão, ela implora por emprego, conseguindo a vaga de arquivista.

Com faro de pesquisadora, desinteressada em ser apenas mais uma pessoa do quadro de funcionários do escritório de Masry, Erin olha com mais afinco os documentos que lhe são entregues para arquivamento e descobre que há questões da área de saúde que provavelmente não cabem na papelada imobiliária. Resultado: segue o seu instinto e descobre que aqueles documentos podem ser o ponto de partida para um grande caso, pois envolve a contaminação da água fornecida aos habitantes de uma cidade próxima pelo cromo hexavalente, material perigoso que entrou em contato indevidamente e causou mortes e doenças em diversas pessoas que sequer sonham com a situação.

Inicialmente sozinha, Erin segue numa cruzada em busca de resposta. Visita locais, entra em contato com especialistas no assunto, traça plano de ação, interage com todos em seu caminho para conseguir as informações necessárias e leva para o seu chefe um caso estruturado para se tornar um dos mais promissores da história do escritório e, quem sabe, até mesmo dos Estados Unidos. Sem ter diploma de Direito, tampouco formação acadêmica, Erin demonstra a capacidade de se articular e manter o caso em evidência graças ao seu engajamento, que se torna pessoal ao passo que seu personagem evolui, juntamente com os seus procedimentos de pesquisa e trabalho interpretativo dos dados levantados.

A narrativa tem questões de cidadania bem interessantes e que permitem uma discussão profunda sobre o direito à justiça, o acesso a documentos públicos, a necessidade de astúcia de um pesquisador, da atenção redobrada nos procedimentos metodológicos durante uma investigação científica, sendo didático sem deixar o seu status de entretenimento envolvente de lado. Todos estes elementos agregam valor ao produto final, graças ao refinado contato entre os envolvidos na produção: direção, atores, equipe técnica seguem uma linha de trabalho que abre pouquíssimas brechas para ruídos narrativos.

Steven Soderbergh já havia comprovado a sua capacidade de gerir projetos cinematográficos, prova disso é o sucesso de Sexo, Mentiras e Videotape, Irresistível Paixão e O Estranho. Na cinebiografia de Erin Brockovich ele atinge outro patamar, ponto de deslocamento para o ótimo Traffic, lançando pouco tempo depois. Sua destreza com a câmera e com a dinâmica dos bastidores de produção é digna de elogios, mas o grande ponto do filme é a atuação vibrante e iluminada de Julia Roberts, uma excelente atriz que, na época, andava perdida em meio a uma série de filmes irregulares. No longa, ela se entrega de tal forma que consegue emocionar ao mesmo tempo que nos faz rir. Antipática e mal-educada em algumas passagens, ela consegue nos segurar e acreditar em sua história mesmo com a duração relativamente grande.

O longa também possui um ótimo fundo feminista, com discussões que poderiam ser levadas mais adiante. O grande problema é, inicialmente, prometer um pouco mais do que cumpre. Mas as atuações, o roteiro animado e a curiosa história real do caso da água contaminada não deixam as duas horas de filme serem em vão e nos entrega um bom resultado geral, vale a pena conferir.