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Animaction | A Pequena Loja de Suicídios

Em uma cidade em que os habitantes já não conseguem mais ver sentido na vida, o negócio de Mishima Tuvache é extremamente lucrativo. Ele é o proprietário da Pequena Loja de Suicídios e nela todos podem encontrar a forma que melhor se adeque à sua pessoa para… bem, acabarem com a própria vida no aconchego do lar, já que fazer isso em público tornou-se ilegal. Ele e toda a sua família configuram uma parte importante da loja e cada um possui o seu instrumento de suicídio favorito, de venenos a cordas para enforcamento. A animação francesa, que também é um musical, foi lançada no ano de 2012 e tem muitos aspectos, tanto estéticos quanto de enredo, diferentes do que estamos acostumados e, por isso, capazes de chocar, chamar a atenção e entreter o espectador.

A família Tuvache com certeza pode ser classificada como extremamente mórbida. Seu cotidiano, no entanto, é abalado com o nascimento de Alan, o mais novo filho, que, por um acaso, vem a ser um menino feliz e que acredita acima de tudo no valor da vida. Alan é um contraste com toda a cidade de Paris. Diferente dos outros, a criança, ao lado de seus amigos, vive numa cantoria sem fim, assobia, brinca e dança, causando bagunça na vida dos moribundos, cuja a única motivação é trilhar seus passos rumo à loja de artigos para suicídio. Para ele é muito difícil se adaptar aos costumes da família e trabalhar na loja, ao mesmo tempo em que para seus pais ele é um completo estranho e um empecilho para os negócios. As diferenças entre o jovem e seu pai crescem a cada dia, mas Alan está determinado a fazer com que todos de sua família desistam da Loja de Suicídios, custe o que custar.

Vale ressaltar que todo cliente, ainda que determinado a acabar com seu sofrimento, ao entrar na loja é tomado por uma sensação de insegurança e dúvidas, vez ou outra afirmam que não sabem qual forma seria mais agradável para pôr fim às suas vidas ou titubeiam devido aos preços altos de cada mercadoria. Dona Lucrèce, por sua vez, tem sempre uma resposta formada na hora da indecisão de seus clientes: “Não é caro se você pensar que é a última vez que vai gastar”. Mishima reforça este pensamento dizendo: “No caixão não precisa de moedas”Raramente um cliente sai de mãos vazias, pois ainda que motivados a cometerem o suicídio, sentem medo e o fazem de forma que reflete um tipo de arrependimento póstumo, que apesar de pensarem naquela forma como o fim do sofrimento e da angustia, ainda há uma tristeza naquela situação, não se vê alívio, apenas um pesar sombrio. O que faz com que pensemos se é realmente a morte que desejavam ou se gostariam de ter sido incentivados a continuar a viver.

Seguindo este pensamento, Alan, com a ajuda de seus amigos, traça um plano infalível para livrar a cidade da depressão crônica que assola toda a população. Sua meta é provar que nem tudo na vida é preciso ser levado a sério e que todas as coisas ao redor têm seu brilho e sua razão de existir. Antes de mais nada, toda essa mudança que Alan pretende alcançar precisa começar em casa. A Loja de Suicídios é uma afronta à vida e os sorrisos que nascem por lá são somente dos pais de Alan, afinal “sua tristeza é nossa felicidade.

Essa obsessão com a dor do outro faz com que criemos certa aversão aos pais Tuvache, pois a imagem que, inicialmente, temos deles é que são pessoas que visam somente o lucro em cima do sofrimento alheio. Mas todo esse anseio pela morte, o desejo de pôr fim ao que causa dor, também aflige a família Tuvache. Em uma das músicas, Lucrèce deixa claro que a morte para ela seria um luxo, sua condição atual lhe adoece e não aguenta mais ter que ver pessoas saltando dos prédios ou se enforcando. Senhor Mishima também se sente incomodado com essa situação a ponto de adoecer, diz sentir um peso na consciência e que não sabe como controlar isso, uma vez que seus clientes dependem dele.

Conforme o filme se desenrola, percebemos a motivação que levou a população ao atingir o desespero a ponto de cometer suicídio. Na história temos como motivo principal a crise econômica, quando famílias se desfizeram devido à falta de dinheiro para manter uma vida saudável. Com a desestruturação das famílias, aqueles que se viam como a base de tudo (pai ou mãe) entram em uma depressão grave e, não suportando o sofrimento e a culpa, decidem que o melhor a fazer é pôr fim a própria existência. O que leva uma pessoa a cometer suicídio? A principal característica do ato suicida está em livrar-se de algo, de alguma situação que causa dor, medo ou que faça com que a pessoa sinta-se incapaz de enfrentá-la. É uma fuga, alívio imediato daquilo que não está fazendo bem a si. Acontece também quando a pessoa se sente envergonhada, culpada, vítima ou quando se sente rejeitada pela família ou por um outro grupo social (escola, trabalho).

No filme, além da questão financeira, entra também o tema autoestima. A filha do meio, Marilyn, se sente feia, gorda e rejeitada, tem ideações suicidas, mas que são ignoradas e impedidas pelos pais devido ao fato de que ela precisa ajudar nos negócios da família. Alan vê em sua irmã uma beleza única e procura uma maneira de ajudá-la a enxergar isso, e esse é o primeiro passo para a mudança que quer trazer para sua família e sua cidade. O plano de Alan não poderia ter saído melhor (desde ajudar sua família e todas as outras pessoas). Apesar dos contratempos e do momento final parecer desnorteador, os objetivos de mostrar uma forma diferente de encarar aquela situação difícil da cidade foram alcançados de forma ímpar. Era isso que eles queriam (o suicídio) ou que alguém os salvassem daquela situação? O longa é, de fato, um convite à reflexões em torno dos desafios de manter-se “em pé” diante das maiores dificuldades que permeiam a vida.