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Jukebox | Lorde – Melodrama

Aos 16 anos de idade, a cantora Lorde – cujo nome verdadeiro é Ella Yelich-O’Connor – surgiu trazendo um som novo e versátil ao cenário pop com seu aclamado e premiado álbum de estreia, “Pure Heroine“. Agora, aos 20 anos, ela está de volta com “Melodrama“, um álbum mais pessoal, mas longe de ser menos magistral que seu antecessor.

Dentre a lista de elementos que fazem de “Melodrama” um álbum audaciosamente delicioso de se ouvir, se destaca o fato deste ser um trabalho inteiramente autoral, de modo que as faixas contam uma história e cada uma delas possui seu papel para tornar a obra coesa e redonda. O padrão de escrita da cantora é bom demais para se resistir: o nível de inteligência e fluxo lírico, a profundidade das melodias aliadas à facilidade de tocá-las, permitindo que possamos cantar com facilidade todas elas, tornam este um trabalho único e maduro para uma cantora tão jovem. Existe uma sensação palpável de sentimento e significado nas canções, operando em níveis pessoais e universais, entregues de forma dinâmica e sutil. A variedade de instrumentos utilizados, que vai de arpas e piano até instrumentos de percussão, guitarra e outros, demonstram o cuidado da produção empregada em cada faixa. “Melodrama” é um deleite sonoro para qualquer um que goste de boa música.

Aqui, Lorde escreve e canta sobre ser jovem exibindo uma honestidade destemida e detalhes delicados que podem ser um pouco mais complicados para audiências antigas. Há uma verdadeira sensação de autodespertar através de todo o seu material, o teste de limites pessoais, o desenho de lições de vida. Se “Pure Heroine” comemorou o início da liberdade adolescente, “Melodrama” possui uma crescente consciência de limitações e ilusões de vaidade e presunção. As faixas estão profundamente imbuídas de um sentimento de angústia, de solidão e de expectativa romântica fracassada, com uma pitada do tipo de vingança que pode ser causada na era da internet, como fica explícito na divertida “Loveless“, onde ela canta em uma sinistra cantiga de ritmo meio que infantil:

Bet you wanna rip my heart out / Bet you wanna skip my calls now / Well, guess why? I like that / ‘Cause I kinda miss your life fucked / Kinda wanna take my mouth shut / Look out, lovers

Aposto que você quer arrancar meu coração / Aposto que você quer ignorar minhas chamadas agora / Bem, adivinha por quê? Eu gosto disso / Porque eu meio que sinto falta de sua vida fo#@%a / Quer que eu fique com a boca fechada / Atenção, amantes

Um dos grandes destaques do álbum é a balada “Liability“, onde Lorde canta acompanhada apenas por um piano expondo de forma crua suas próprias inseguranças e auto-aversão de forma quase depressiva. A canção é quase brutal ao mostrar o quanto alguém pode fazer com que nos sintamos descartáveis e indignos da atenção e de amor. Talvez por isso ela seja tão identificável e genial. Mais uma prova do espetacular talento da jovem artista em conseguir transpor um sentimento tão duro como este para uma canção.

Entretanto, em outra faixa acompanhada inteiramente apenas pelo piano, “Writer in the Dark“, ela segue pelo mesmo caminho do amor não correspondido, porém mostrando uma faceta mais intensa, quase de uma stalker louca, como pode ser percebido nos versos abaixo:

I’ll love you ‘til my breathing stops / I’ll love you ‘til you call the cops on me

Eu vou te amar até a minha respiração parar / Eu vou te amar até você chamar a polícia para mim

O genial disso tudo é que, apresentando nas canções esses extremos emocionais a todo momento, o álbum mostra essa gangorra de sentimentos presente dentro de todos nós, mas Lorde apresenta isso de forma tão natural e genuína, fazendo do álbum algo realmente melodramático como o título sugere. Essas mudanças de humor são enfatizadas pelo canto audacioso da artista, que localiza diferentes níveis de intimidade em diferentes timbres vocais, mostrando um vocal tão versátil de forma que muitas vezes parece que as músicas estão sendo entregues por versões concorrentes de si mesma.

Para este álbum, Lorde mudou de produtor e co-gravador. Seu álbum de estreia foi feito em parceria com Joel Little, um herói pop local da Nova Zelândia. O acompanhamento foi feito com Jack Antonoff, guitarrista e escritor de muitas canções para diversas bandas de rock indie dos EUA. A continuidade do som, do estilo e da abordagem entre os dois álbuns afirma que é a própria Lorde que é a força criadora do que atestamos. Seu estilo pop tem influências no estilo indie e eletrônico (“Green Light“, “Sober” e “Homemade Dynamite“), mas mantém uma estreita força na dinâmica, de modo que o impulso sonoro é amortecido e quase reprimido, aliviado por detalhes brilhantes (os momentos surpreendentes, como o verso sussurrado em “Sober e o pré-refrão/refrão de Perfect Places“) e momentos explosivos, como o refrão inteiramente instrumental da incrível “The Louvrea produção incrível de “Sober II (Melodrama)“.

Seu estilo melódico distinto e seu fluxo rítmico de hip hop realmente correriam o risco de ficar um pouco repetitivos se o conteúdo não fosse tão forte e os arranjos tão cuidadosa e consistentemente surpreendentes. O que é verdadeiramente fantástico sobre Lorde é que aqui podemos acompanhar uma cantora e compositora original, emocional, intelectual e imaginativamente audaciosa, que opera no mais alto nível artístico, mas que o coloca como um pop mainstream moderno de fácil acesso. Por tudo isso, “Melodrama” é uma masterpiece e forte concorrente a álbum do ano.

Avaliação do Álbum

Espero que você deixe nos comentários o que achou do álbum e, principalmente, o que achou da coluna. Além disso, entre em nosso grupo no Telegram para poder opinar e ajudar a escolher o tema da próxima semana. Grande abraço e até a próxima Jukebox!

Darlan Generoso

Economista, podcaster e troll profissional.